segunda-feira, 2 de junho de 2014

Revolução



Sabe o que faço quando não gosto de uma música. Eu não ouço. Não ouço Claudia Leite, nem Charlie Brown Jr. nem U2. No meu rádio, nem uma nota a respeito. Quando não gosto de um programa de televisão, eu não assisto. Aqui em casa, não tem Rede Globo. Então, eu não vejo Big Brother, nem acompanho os últimos capítulos de nenhuma novela, nem dou "boa noite" para o William Bonner. Também não como queijo, embora tenha nascido e vivido minha nada mole vida toda em Minas Gerais. Uma fatia de queijo fresco com "docim" de leite? Não como de jeito nenhum.

Tudo isso veio com o tempo, quando eu aprendi que era infinitamente mais fácil apenas dizer NÃO. E daí virou uma febre em minha vida. Saíram do armário as calças jeans, do café da manhã, o leite com chocolate, da agenda, as falsas amizades, pelo menos, as que eu consegui identificar. E minha vida ficou mais leve e meu sono mais reparador.

E cada vez menos, eu sinto necessidade de convencer os outros dos meus argumentos. Ter razão é ótimo e fico muito satisfeita quando estou certa e sempre acho que estou certa, inclusive. Mas estou tentando fazer um exercício de pensar, e se não estiver? E se essa receita funcionar apenas para mim e não para ele? E se ele quebrar a cara seguindo o conselho que eu dei, a culpa vai ser minha? Vai, e eu não preciso de mais culpas para carregar na bolsa. Sou mãe de duas crianças e tenho um sério problema de relacionamento com minha própria mãe, assim, culpa para essa e mais umas duas reencarnações.

Tudo isso veio com o casamento. Meu marido é alguém que amo muito, de uma maneira que eu jamais entenderei, justamente porque é muito diferente de mim. Enquanto meu copo está metade vazio, o dele está sempre metade cheio. Tudo para ele é fácil, tranquilo, até mesmo comer formigas no meio do mato, que ele jura que tem gosto de hortelã.

E cada vez menos, eu interfiro nas pequenas decisões dele. Ele vai continuar andando de bicicleta mesmo depois de ter quebrado os dois braços numa mesma queda, vai continuar achando que a vagem é o alimento mais nutritivo do mundo e, definitivamente, vai assistir todas as sequencias possíveis e imagináveis de Alien versus Predador. E talvez seja por esses e outros irritantes motivos que eu seja completamente apaixonada por ele.

Dia após dia, a palavra "não" vem causando uma revolução na minha vida. Positiva e libertadora. Não para filmes de guerra, não para absorvente íntimo com abas, não para o cargo de empresária, não para o salto alto, não para ferro de passar roupa, não para Twitter. Ainda tem uma lista enorme de desapego aguardando a hora certa de levar um não, redondo e sonoro, bem na cara! Me aguardem o Facebook, o baú de brinquedos das crianças, o menu de aplicativos do celular... Muito agressivo? Paciência, não sou mais boazinha. Definitivamente, não.




quinta-feira, 15 de maio de 2014

E-mail n. 01

Querida amiga,

Sigo estudando. Uns dias mais, outros menos. Às vezes, sinto uma preguiça gostosa, viciante, que quer me levar para cama, neste doce período entre as 14:00 e as 16:00 horas, em que a casa é só minha, sem crianças, sem marido, sem ninguém para me apontar o dedo se eu passar duas horas embaixo de um edredom velhinho e aconchegante. Claro, ninguém além da minha própria consciência, que bate na minha cara, me lembra que tenho quase 40 anos, dois filhos para criar e nenhum centavo no banco. 

Às vezes, eu sinto raiva. De ainda não ter uma carreira decente, de ter que estar estudando nesta idade, de não entender nada de informática e de ter matado as aulas de Medicina Legal na faculdade para assistir Ana Maria Braga. Queria ter passado no concurso quando me formei e essas porcarias estavam todas frescas na minha cabeça. Então, fico falando para mim mesma que tudo vale a pena quando a alma não é pequena e que, de alguma forma, a vida tem uma razão - que eu não tenho a mínima ideia qual é - para tudo isso estar acontecendo só agora.

Às vezes, faço a She-ra e sinto um poder. E quero ler tudo, assistir tudo, aprender tudo, ficar acordada a noite inteira estudando, só para lembrar desses dias difíceis quando eu tiver passado e minha vitória parecer ainda mais esplendorosa. Porque nesta hora, eu acredito em tudo que me falam e acho mesmo que sou muito inteligente e esperta e que este concurso está no papo. E meu poder dura até lá pelas oito horas da noite, quando me dá uma moleza e tudo o que eu queria, de verdade, era um pastelzinho da esquina aqui de casa, para eu comer enquanto leio mais um capítulo do livro de sacanagem que minha cunhada me emprestou. Daí eu me lembro daquela parte de que eu não tenho nenhum centavo no banco e como uma banana mesmo, porque é só descascar e não vai sujar a pia da cozinha.

E às vezes, eu rezo e peço perdão por ser tão preguiçosa, mal agradecida e presunçosa e peço a Deus para fazer o que for melhor para mim, porque eu mesma, nesta altura do campeonato, já nem sei o que pedir. Quero meus pequenos bem, quero minhas contas em dia, quero um vestido novo para usar no sábado à noite quando for ao cinema com meu bem. Quero finalmente entender o que é uma memória RAM, o tal do Estado Democrático de Direito e a oração reduzida de infinitivo. 

Às vezes, quero tudo. Às vezes, nada. E entre uma coisa e outra, eu estudo.

Fernanda 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Cereja agridoce o que tiver de ser você seja...


Eis que acordo e estou diante de um velho dilema: quem realmente sou e o que realmente espero da vida? Mais uma vez, encontro-me sem nada, como diz Nando Reis, sem chão, nem escada, esperando que, de alguma forma, minha vida renasça. 

Não sobraram nem cinzas de onde ressurgir: meu pequeno ateliê de brigadeiros, que existia virtualmente nas redes sociais, parece ter desaparecido junto com o último post. O último centavo guardado em minha conta corrente sumiu da mesma forma, nas mãos de um ladrão virtual. As fotos, as receitas, os utensílios, a cozinha, tudo agora me parece sem propósito e sem valor. Gastei um tempo enorme construindo nome, fama, ideias e tudo, de repente, parece lembrança de um tempo muito distante, embora minha fabriqueta tenha fechado as suas portas há apenas um mês.

Está certo, ficaram a experiência, o crescimento, o conhecimento. Ficou um certo alívio de poder voltar a cozinhar somente por fome ou por prazer. Mas quando se tem dois filhos pequenos, marido, casa e contas (muitas, aliás), não dá para ficar se lamentando por muito tempo. Logo, o espelho nos exige a resposta do que vem depois. A vida não pára. Todos sabemos. Mas eu bem que queria um dia inteiro debaixo de uma coberta, só para chorar minhas mágoas, minhas perdas e meus fracassos.

Sem choro nem vela, abracei um novo projeto, talvez mais para velho e antigo projeto, que retirei amassado da lata de lixo, com as letras de NUNCA MAIS. Meu nunca durou o tempo da necessidade, que me fez entender, finalmente, que não se vive de poesia, e que o preço do arroz - Deus me livre! - está cada dia mais absurdo.

Voltei aos estudos e deixei este pequeno espacinho para tentar entender onde estou, de verdade, no meio de tudo isso. Eu que era cheia de certezas, hoje mal sei formular minhas dúvidas. Não sou capaz de dizer se estou doce ou amarga, se vou pelo caminho certo ou errado, apenas vou... E como ensina Alice Ruiz, talvez me entregue ao sabor de ser o que tiver de ser.